sexta-feira, junho 29, 2007

"A vontade do homem que quer achar-se culpado e condenável até ao extremo da impossibilidade de expiação, a vontade de se ver punido sem que a punição possa alguma vez ser equivalente à culpa, a vontade de infectar e envenenar o fundamento último das coisas com o problema da punição e da culpa para assim rasgar de uma vez por todas uma saída deste labirinto de «ideias fixas», a vontade de erigir um ideal — o ideal do «Santo Deus» — para poder, perante ele, estar certo da sua absoluta indignidade. Ai! Um «ai» por esta besta-homem, louca e triste! Que invenções as suas, que coisas contra natura, que paroxismos de absurdo, que bestialidade da ideia se manifesta imediatamente assim que a impedem por um momento de ser besta de acção!... Tudo isto é mais do que interessante, mas tudo isto é também de uma tristeza tão sombria, tão deletéria, que é preciso proibirmo-nos vigorosamente de olhar por demasiado tempo para dentro desse abismo! O que aqui temos é doença! Sem dúvida, a doença mais terrível que até hoje grassou entre os homens!... E se alguém, no meio dessa noite de martírio e de absurdo, ainda consegue ouvir os ecos (embora hoje já ninguém tenha ouvidos para tais coisas!...) do grito de «amor», do grito ansioso de êxtase, do grito da redenção pelo amor, só lhe resta fugir, tomado de um pavor invencível... Há no homem tanto de execrável!... O mundo é um manicómio, e há demasiado tempo!...
(Friedrich Nietzsche, em Para a Genealogia da Moral)

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